entre laços

PARALELA

entre laços

por jomaka e bruno hilário

 

A proposta da mostra “entre laços” tem como objetivo ampliar o conceito de família a partir de curtas que potencializam a discussão sobre a importância das redes de acolhimento, amor e afeto para além dos vínculos sanguíneos. Mais do que um compromisso com a educação sobre gênero e sexualidade, a mostra é um desejo de naturalizar a presença desses corpos, historicamente invisibilizados e descartados, em qualquer espaço, inclusive quando de mãos dadas à luz do dia. 

Nas obras selecionadas, a dissidência de gênero e sexual é uma ocasião histórica capaz de “reabrir virtualidades relacionais e afetivas, não tanto pelas qualidades intrínsecas, mas pela posição ‘enviesada’” (FOUCAULT, 1981, p. 4), que traçam, no tecido social, deslocamentos na percepção das identidades. 

Abordaremos, de maneira central, as possibilidades de vínculos, de relações, de elos, encontros e entrelaços que proclamam e celebram a arte e a vida. A partir do debate após a sessão, pretende-se promover a conscientização sobre os desafios legais e sociais enfrentados por essas populações, expandir a possibilidade de protagonismo dessas vozes, sensibilizar para a urgência do avanço da pauta e suas possibilidades de intersecção, que transbordam a norma de reprodução hegemônica de ser e estar no mundo.

Foucault (2004, p. 260) reflete sobre uma dimensão transgressora da sexualidade dissidente, por meio da qual “instauram-se novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação. O sexo não é uma fatalidade; ele é uma possibilidade de aceder a uma vida criativa”. Ao pensar nas vivências e afetos que se estabelecem entre os membros da comunidade LGTBQIAPN+, é possível perceber uma rede complexa de relações que desafiam o conceito tradicional de laço familiar implicado na experiência cisheteronormativa. Sabemos que a exclusão familiar é uma realidade entre pessoas LGBTI+, e sabemos que são consequência do rompimento desse laço a evasão escolar e a exclusão do mercado de trabalho, além de sofrimento mental/adoecimento. E, por outro lado, sabemos o quanto o apoio de familiares e/ou das “redes” é fundamental para a dignidade e sobrevivência de muitas dessas pessoas dessa comunidade corpo-dissidente. 

É em comunidade que o poder transgressor LGBTI+ se fortalece. Essa espécie de resistência insaciável desestabiliza fortemente a cisheteronormatividade e, com isso, pilares essenciais do próprio sistema capitalista, do qual nossa multiplicidade é inimiga essencial. Esse poder transgressor ainda é combatido com uma ferocidade que remonta ao suplício de nossos antepassados na fogueira da Idade Média. De lá para cá, muita coisa mudou, mas nos é desafiante o processo de assimilação capitalista de nossa subjetividade, que conforma uma pequena fatia do espectro LGBTI+, mas não inclui o seu todo. Cada vez mais, vai se construindo uma sensação de uma unidade aparente para nossa experiência em sociedade. Essa unidade é excludente e, talvez, revele novas articulações políticas do capital para proteger o conceito cisheteronormativo familiar. 

Pensamos o estilo de vida LGBTI+ que potencializa a experiência da amizade como forma de vida, de modo que os indivíduos vivenciam entre si “uma certa liberdade, de uma certa forma de escolha (limitada, claramente), que lhes permitia também viver relações afetivas muito intensas” (FOUCAULT, 2004, p. 272). Um pequeno extrato da comunidade LGBT+ representaria, então, um conjunto de relações que podem ser estabelecidas, inventadas, multiplicadas e moduladas justamente através das singularidades inerentes a pessoas intersexo, dissidentes na sexualidade e/ou gênero. Seria essa nossa estrutura familiar disruptiva? A amizade seria nossa forma revolucionária de ser e estar no mundo? “O exército, a burocracia, a administração, as universidades, as escolas, etc. – no sentido que assumem essas palavras nos dias de hoje – não podiam funcionar diante de amizades tão intensas” (FOUCAULT, 2004, p. 273).

A sessão tem início com O Patinho Feito (Marcelo Batista, Brasil, 2023), que lança mão do clássico conto de fadas escrito por Hans Christian Andersen para reconfigurar a fábula do abandono. De caráter performático, a personagem nos apresenta um horizonte de futuro povoado por sonhos de liberdade.

Em Die Räuberinnen (The Robbers, Isa Schieche, Áustria, 2023), a abordagem instiga reflexões sobre o conceito de família. E se a família pudesse ser uma relação entre amigas? E se fosse uma gangue? A intimidade e cumplicidade entre as personagens corporificam o afeto que as mantém unidas, emanando força diante das fragilidades.

The Archive Queer Nigerians (Simisolaoluwa Akande, Reino Unido, 2023) traz o relato de cinco personagens nigerianos queers que residem no Reino Unido. Como um diário, são compartilhadas narrativas que exploram como as ideias universais de família, amor e autodescobertas são ofuscadas na interseção entre negritude, africanidade, gênero e identidade sexual. 

Já no documentário Amma’s Pride (Shiva Krish, Índia, 2024), experimentamos ver sob o olhar de uma mãe indiana. A filha? O orgulho da mãe, uma mulher transexual que sonha em se casar e, ao mesmo tempo, escancara uma série de constrangimentos e de violações de direitos em decorrência da transfobia. 

Encerrando a sessão, apresentamos o curta-metragem Anhel de llum (Longing for Light, Alba Cros Pellisé, Espanha, 2023). Fotografias são memórias, e este filme é um convite para a possibilidade de irradiar o caminho. É preciso desejar, enxergar luzes. 

 

Referências

FOUCAULT, Michel. Michel Foucault, uma entrevista: sexo poder e a política da identidade. Verve, Revista do NU-Sol, São Paulo, n. 5, 2004.
______. De l’amitié comme mode de vie. Gai Pied, n. 25, p. 38-39, abr. 1981. Entrevista de Michel Foucault a R. de Ceccaty, J. Danet e J. le Bitoux. Tradução de Wanderson Flor do Nascimento. Disponível em: http://michel-foucault.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/amizade.pdf. Acesso em: 01 out. 2024.

 

Mais

FILMES

31 out•17:00
1 nov•17:30

Amma’s Pride

Amma's Pride
Shiva Krish
21 min. •
2024 •
Índia
31 out•17:00
1 nov•17:30

Anhel de llum

Longing for light
Alba Cros Pellisé
11 min. •
2023 •
Espanha
31 out•17:00
1 nov•17:30

Die Räuberinnen

The Robbers
Isa Schieche
16 min. •
2023 •
Austria
31 out•17:00
1 nov•17:30

O Patinho Feio

The Ugly Duckling
Marcelo Batista
5 min. •
2023 •
Brasil
31 out•17:00
1 nov•17:30

The Archive Queer Nigerians

The Archive Queer Nigerians
Simisolaoluwa Akande
25 min. •
2023 •
Reino Unido

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