6º Corpo Crítico
CORPO CRÍTICO
.autorias em disputa; ou a crítica como contaminação
A performatividade discursiva da cultura digital tem moldado (e cristalizado) nossa relação com o cinema, sem deixar brecha para algum tipo de deslocamento, impasse ou dúvida. O muro que tem sido construído em torno de nossas sensibilidades não tem permitido mergulhar nas multitemporalidades dos filmes ou em sua profusão cacofônica de imagens e som. Ao invés de solicitar algum tipo de coerência judicativa a eles, gostaríamos de nos desafiarmos a sentir o que está ao nosso redor e construir práticas críticas do pensamento instauradas em processos de contaminação: onde as matérias e percepções possam se entrelaçar, se interpenetrar e se diferenciar, tudo ao mesmo tempo. É preciso deixar a proliferação acontecer.
É nesse jogo de cipós, de laços e nós que, para nós, os filmes se constituem. Reconhecendo a força da coletividade na feitura de um filme, desejamos propor uma conversa que ponha em crise o status e poder do eu-autor, redirecionando nossos sentidos para as agências criativas que o moldam e o elaboram, sem centrar o lugar da autoria na função de direção cinematográfica. Desejamos perceber o jogo de forças, impasses e desobediências que vibram na superfícies das imagens. É um convite para observar as “colaborações e combinações inesperadas; amontoados quentes de composto” que se presentificam na tela.
Marcadas pelos escritos de Anna Tsing (2022) em O cogumelo no fim do mundo: sobre possibilidades de vida nas ruínas do capitalismo, queremos propor a construção de um espaço formativo onde a curiosidade e a diferença sejam pontos de partida para criarmos intimidade com os filmes e a crítica. Em que a justaposição (e a confusão derivada dela) apareça como um devir recíproco, uma possibilidade de estabelecer processos relacionais de maneira que suscitemos “uns dos outros e uns com os outros”, como diria Donna Haraway.
.resumo
Na ocasião em que a INDETERMINAÇÕES foi convidada para construir o programa do Corpo Crítico desta edição do FestCurtasBH, sentimos vontade de elaborar uma proposição com dois elementos substanciais da plataforma: a discussão em torno da ideia de autoria e a coletividade. Impulsionadas pela vontade de experimentar formas coletivas de escrita e de análises fílmicas que coloquem em xeque a soberania da figura do autor-diretor, organizamos quatro encontros do Corpo Crítico que buscam promover uma forma mais vulnerável de nos relacionarmos com os filmes; que historicizem a discussão sobre autoria no cinema; e que se lancem a construir perspectivas críticas em torno do cinema brasileiro atentas as disputas de poder e impasses estético-políticos que movimentam o campo.
.programa dos encontros
Encontro 1
Crítica como contaminação
“Somos contaminados por nossos encontros; eles transformam o que somos na medida em que abrimos espaço para os outros”, afirma Anna Tsing. É com o desejo de abertura radical de nossas sensibilidades que iniciamos o Corpo Crítico deste ano. A partir do conceito de “diversidade contaminada” ensaiado pela antropóloga estadunidense, pretendemos incentivar o encontro com os filmes a partir de estímulos que nos façam desejar ser transformados em contato com eles.
Textos de referência
TSING, Anna. O cogumelo no fim do mundo: sobre possibilidades de vida nas ruínas do capitalismo. São Paulo: n-1 Edições, 2022.
Encontro 2
“Autorias rasuradas”
O que fazer quando o corpus de um filme perturba a assinatura de seu/sua autor(a)-diretor(a)? Na contramão do ordenamento pressuposto pela Política dos Autores, sistematizada pela revista Cahiers du Cinéma durante a década de 1950, discutiremos os efeitos da centralização da função da direção cinematográfica em nosso modo de conviver com o cinema. Num cenário contemporâneo de hiperexcitação do “eu”, por que não recorrer a uma relação com o campo cinematográfico (e sua história) que confronte esses valores?
Textos de referência
BERNARDET, Jean Claude; REIS, Francis Vogner dos. A política dos autores: França, Brasil 1950 e 1960. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2018.
NWABASILI, Mariana Queen Nwabasili. Revendo personagens e recepções de ‘Xica da Silva’ e ‘Vazante’ ou Fronteiras do histórico debate sobre autorizados a representar | Xica da Silva (Cacá Diegues, 1976) & Vazante (Daniela Thomas, 2017). câmarescura, 01 jun. 2022. Disponível em: https://camarescura.com/2022/06/01/xica-da-silva-vazante-mariana-queen. Acesso em: jul. 2023.
RIBEIRO, Marcelo R. S. Autorias rasuradas em “Afrique 50”: para uma economia política das assinaturas. Revista Esferas, v. 1, n. 26.
Encontro 3
Coreografando nós
Dénètem Touam Bona traça uma reflexão a partir da sabedoria dos cipós, “jogo de cordas que, ao ligar ‘múltiplos pontos de vida’ […], implanta constelações inéditas” (2021). Tendo como inspiração o pensamento do filósofo afropeu, buscaremos mediar atividades que incentivem métodos de reflexão e escrita coletivas que possam formular, a partir da diferença e contaminação, uma memória crítica do festival.
Textos de referência
ALMEIDA, Djaimilia Pereira de. Prazer de cair. Quatro cinco um, 10 ago. 2023. Disponível em: https://www.quatrocincoum.com.br/br/colunas/onde-queremos-viver/prazer-de-cair. Acesso em: ago. 2023.
TOUAM BONA, Dénètem. Visões quiméricas. In: Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (23.: 2021). SIQUEIRA, Ana, et al. (org.). Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2021.
Encontro 4
Epílogo – Polifonia
O cinema brasileiro é um campo em disputa e mutação. No último encontro, promoveremos uma conversa aberta em torno dos discursos, estéticas e políticas que circundam o campo cinematográfico no Brasil. Quando tudo parece “urgente” e “importante”, como promover práticas críticas do pensamento que não excluam o passado indigesto e nem se deixem levar por presentes e futuros redentores?
Textos de referência
ALBUQUERQUE, GG. A ‘sentada’ na música brasileira e seus impasses políticos. Suplemento Pernambuco, Agosto, 2023. Disponível em: http://www.suplementopernambuco.com.br/ensaio/3123-%E2%80%9Ccertas-lutas-s%C3%B3-s%C3%A3o-poss%C3%ADveis-sentando%E2%80%9D.html Acesso em: jul. 2023.
ANDRADE, Patrícia Mourão de. Curadoria como poder e trabalho, e algumas notas sobre a capitalização do amor. Caderno de Leituras n.141. Série intempestiva. Belo Horizonte: Edições Chão da Feira, 2022.
DOS REIS, Francis. Campos, contracampos e extracampos: cinco sequências do cinema brasileiro em uma era de antagonismos. In: RODRIGUES, Laécio Ricardo de Aquino. Crítica e curadoria em cinema: múltiplas abordagens. Belo Horizonte: Fafich/PPGCOM/UFMG, 2023.
TEXTOS PUBLICADOS
Coletivo (Corpo Crítico 2023)
Não sabendo ser possível vê-los…
Crítica de “Thuë Pihi Kuuwi – Uma Mulher Pensando” (de Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami, Roseane Yariana, 2023) escrito por Ana Lúcia Azevedo, Amanda Freire, Barbara Bello, Clara Prado, Helena Elias, Lilli Andrade, Lorenna Rocha, Raianne Ferreira, Tainá Lima, Arthur ...
Bárbara Bello & Helena Elias
Olhar mais além: sobre ritmos e disputas na superfície das imagens
Crítica de “Victoria – Black and Woman” (de Torgeir Wetal, 1978) escrito por Barbara Bello & Helena Elias Pele preta, sobrancelhas angulares, um brinco de argola, olhos ora semicerrados, ora mais atentos. Estamos diante de Victoria Santa Cruz, diretora de teatro ...
Lili Andrade & Arthur Santana
Não sabendo ser possível vê-los…
Crítica de “Energúmeno” (de Luis Calil, 2023) e “Queime Este Corpo” (de Mauricio Bouzon e Denis Cisma, 2023) por Lili Andrade & Arthur Santana Quando pensamos no cinema de horror, lembramos de produções estadunidenses, sobretudo o slasher, que, pelas questões ...