Costuras e Curas de Sebastian Paramio

Realizador espanhol, que exibiu seu filme “Sombras de Pedra” na Mostra Competitiva Internacional, marcou presença no 27º FestCurtasBH. Confira entrevista cedida à curadora Juliana Gusman. 

Pasolini filmou “a perfeição irreal” dos muros de Sanaa, capital do Iêmen, no início dos anos 1970, um apelo à “escandalosa força revolucionária do passado” incrustada em sua arquitetura pré-capitalista. A paisagem que nos deixa vislumbrar outros horizontes comuns era, àquela época, obscurecida por uma ideia apequenada de progresso que, de alguma maneira, foi possível, minimamente, suprimir. Afinal, quando o artista multidisciplinar espanhol Sebastian Paramio chegou a essas terras, quase cinco décadas depois, ainda era possível entrever utopias. Dos vultos e lutos nasce seu primeiro filme, Sombras de Pedra, uma das 18 obras selecionadas para a Mostra Competitiva Internacional do 27º FestCurtasBH. Sobre ele, uma breve prosa:

Juliana Gusman: Queria te perguntar sobre o processo criativo de Sombras de Pedra, exibido na Mostra Competitiva Internacional, que costura vários elementos: fotografias, imagens de outros filmes, uma paixão por Pasolini, uma narração-carta ao seu irmão. Como tudo isso se articula?

Sebastian Paramio: Como disse no debate depois da exibição, este filme surgiu muito da intuição. As histórias foram aparecendo de uma forma um pouco inconsciente, eu diria. Meu primeiro impulso foi falar sobre o Iêmen, sobre o tempo que vivi lá, que foi muito especial. Aquele é um lugar não ocidentalizado, diferente do mundo em que vivemos, e isso me interessava. E então veio a descoberta de Pasolini. Entendi que a visão que ele tinha do Iêmen se parecia com a minha, de um deslocamento do mundo ocidental. E, finalmente, houve a questão do desaparecimento do meu irmão. A narrativa inicial, que se voltaria para aquele território, se converteu, então, em uma necessidade de falar com meu irmão e de contar a ele sobre o que foi essa experiência, e também sobre o que significou tê-lo em minha vida. Foi uma costura que de alguma maneira se elaborou sozinha, uma costura que também foi cura. Ter feito o filme me cura e costura.

J.G.: E como você percebeu o diálogo do seu filme com os outros três que compuseram o primeiro programa da Mostra? Manal Issa, 2024 (Elizabeth Subrin, EUA, 2024), As flores noturnas de Daria (Maryan Tafaroky, Irã, Reino Unido, França, 2025) e As flores permanecem em silêncio, testemunhando (Theo Panagopoulos, Palestina, Reino Unido, Escócia, 2024). 

S.P.: Gostei muito da combinação dos filmes, primeiro por uma questão óbvia: todos tratam do Oriente Médio. Mas há algo ainda mais importante que é ver o outro desde o Ocidente. Daqui, não somos capazes de olhar, de conferir um rosto a estes povos. Eles não aparecem nas notícias: apenas bombas, guerras e tragédias são tornadas visíveis. Mas, como são suas vidas? Quem são essas pessoas? Creio que, precisamente neste momento, o que precisamos fazer é enxergar a alteridade e compreender que nós poderíamos estar em seu lugar. A tradição mediterrânea nos diz que o mundo mulçumano e o mundo árabe também fazem parte da Europa. É importante entender que também somos eles. 

J.G.: Interessante te escutar sobre a necessidade de diluir essas fronteiras entre o eu e o outro, já que, neste ano, o tema principal do FestCurtas é o filme-feitiço, não como uma proposição óbvia de representação de uma ideia de magia, mas como gestos que apostam no reencatamento do mundo: movimentos de reunir e realiançar o que o capitalismo, historicamente, dividiu.  Falamos de transposição de fronteiras entre o humano e o não humano, entre grupos violentamente apartados que, na verdade, precisam uns dos outros para conseguir sobreviver. Penso em como seu filme também conjura um reencantamento pessoal, porque lida com reencontros e repactuações após alguns deslocamentos, sejam eles geográficos, afetivos, provocados por viagens ou perdas. Você percebe essa ideia de encantamento pairando sobre seu filme?

S.P.: Sim. A minha cultura, espanhola, também é muçulmana. Penso que essas divisões entre Europa, África ou o mundo árabe são divisões artificiais, e a arte é o que nos permite infiltrar na fissura dessas fronteiras. Todos somos parte de uma mesma identidade. 

J.G.: E como está sendo a jornada, a trajetória de Sombras de Pedra?

S.P.: Eu gosto como os filmes, assim como obras de arte, tornam-se independentes do seu autor. Eu gosto de falar do filme como algo que tenho cada vez mais longe de mim. Ele está fazendo seu caminho. Recebeu prêmio de melhor filme no Festival de Curtas de Pequim, e um prêmio de montagem no Festival Aguilar del Campoo – Castilla y León, na Espanha. Passou por outros países também, Inglaterra, Itália…ser selecionado para estar nesses lugares já é um prêmio. Sinto que é um filme que chega às pessoas. Me parece algo muito especial que alguém do Brasil ou da China possa sentir essa proximidade. 

J.G.: E como está sendo a experiência de acompanhar o festival presencialmente, em Belo Horizonte?

S.P.: Me surpreendi muito com tudo. Fiquei surpreso de saber que este é um festival com 27 edições, já é uma tradição cultural. E é a primeira vez que venho a Belo Horizonte e uma coisa que percebo no Brasil é que sinto que este é um país onde a diversidade está presente. Um lugar em que se sente uma energia de mudança, de busca e de futuro. Acredito que o festival é um bom reflexo disso. 

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